O grande tema do quadro é o tempo, representado por relógios flácidos, indicando horas e minutos que são humanos e por isso moldáveis: os relógios marcam horas diferentes.
Ao fundo, uma paisagem sombria e infinita dominada por uma zona de luz, talvez uma praia ao amanhecer; talvez a mancha brilhante de um tempo indefinido, longe do presente, distante e ambíguo como o sonho. Talvez apenas as praias da Catalunha, sua casa; talvez apenas o realismo de um mundo que afinal existe, que, embora distante, escapa à tirania do tempo.
Os relógios escorregam como o tempo que flui. Um relógio fechado, coberto por formigas, animais frenéticos, que parecem devorá-lo; trata-se aqui da memória fechada, do tempo morto, devorado, abatido pela vida. Mas a formiga é também o animal da decomposição, da decadência; e o metal do tempo, mesmo que de ouro se trate, torna-se, também ele, vítima dessa decadência. Na zona central do quadro, um relógio que escorrega pelo dorso de uma criatura monstruosa onde se antevê o rosto do próprio Dali; o tempo sobreposto à vida; o tempo dominador implacável, tirano de vidas e seres. Um relógio pendente de uma árvore seca, talvez consumida pelo próprio tempo. E um relógio que escorrega de uma mesa, de uma aresta em ângulo recto, ângulo rigoroso como as horas que nos oprimem.
A ideia do quadro surgiu, segundo Dali, quando meditava sobre a natureza do queijo camembert. De facto, aqueles relógios são macios como o queijo e como o mundo quando sonhado, não vivido. Esta afirmação enquadra-se perfeitamente no espírito do pintor: homem de imaginação sem limites como é próprio de um grande criador. Por outro lado, essa imaginação confunde-se com a dimensão onírica da sua arte; o sonho deforma a realidade e até um queijo pode ser a imagem da solidão, da saudade ou da revolta. O sonho é, talvez, a maior expressão de liberdade do cérebro humano; nessa ocasião em que vagueia sem destino, a nossa mente liberta-se totalmente desse tempo definido e concreto a que chamamos presente.
As formas redondas conferem aos relógios uma simbologia sexual, principalmente o que se encontra ao centro a “cobrir” uma rocha ou um ser monstruoso e que simula o rosto do próprio autor. Esta conotação sensual transmite a ideia de relação entre o prazer e o tempo; o prazer como recusa da memória, como paragem no tempo ou como o seu elemento deformador; o prazer como elemento de eternização do presente.
Este tema relaciona-se também com a descoberta da teoria da relatividade, de Einstein, que ocorreu na época em que Dali pintou este quadro: os relógios deformados remetem para a relatividade do tempo; para a dimensão intemporal, em que o tempo “humano” é relativizado.Por outro lado, esta era a época de afirmação da psicanálise e de toda a teoria de Freud, que se debruçou sobre a sexualidade humana e a importância dos sonhos. Esta dimensão onírica é uma das pedras de toque de toda a pintura surrealista e de S. Dali em particular.A nível técnico destaque para a variedade e riqueza de pormenores, bem como para o realismo presente nos vários elementos do quadro.
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Texto de Zeus



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