Nota Prévia – Por diversos motivos, abster-me-ei de fazer qualquer interpretação formal, tanto histórica como artística. Limitar-me-ei a expor as impressões, sensações e emoções que esta soberba obra de arte me provoca. O que escreverei nada tem de “verdade” ou de “cientificidade”. Apenas o que vejo e sinto…

1- Duas mãos que se aproximam, suave e lentamente; ser criador e ser criado, Deus e Adão, Homem e Deus, uma junção desigual, dois seres inigualáveis, juntos numa aproximação ao mundo dos sentidos.

Um dedo indicador prestes a tocar o outro; o momento sublime de dois corpos que antecipam a magia do toque; vontades suaves de transcendência; a ânsia do toque físico que completará a unidade já formada pelo Espírito. O humano completará o divino que sempre existiu, no domínio intemporal do sagrado.

O amor completado pelo toque; o sagrado e o mundano unidos pelo acto da criação; a perpetuação da vida através do toque.

Dois seres, duas dimensões… um ponto de contacto… o toque que se adivinha e não precisa existir… a unidade estabelecida… a ordem do cosmos em duas mãos que se unem.

2- Afastemos agora um pouco o olhar:


O velho de barbas brancas com o qual Miguel Ângelo inaugurou a nossa imagem de Deus; o homem, o pintor, o assalariado, criou o Deus que a humanidade venera; o criador criado pelo operário. Adão, o antepassado do homem, ao mesmo tempo criado e criador. Despido, ingénuo, ele é o verdadeiro todo-poderoso, o centro do Universo.

Adão é a imagem serena de um homem submisso; no entanto, o seu peito está cheio de força; o seu poder, criador e destruidor, sobrepor-se-á ao velho de barbas brancas.

Por trás do homem das barbas brancas há outros seres; olhar inquieto e formas indefinidas: o medo de não ser, de não existir; em breve serão humanos e tomarão a serenidade do rosto de Adão. A serenidade de existir, o corpo completo, a dimensão física que os levará ao paraíso da vida; dos sonhos e sofrimentos; do mundo sagrado do humano.

3- Um pouco mais ao longe…

Adão e Deus (sagrado e profano na unicidade do humano) rodeados de vida.
Acima da criação de Adão, a criação de Eva e a Expulsão do Paraíso. Imediatamente abaixo, Deus separa a terra da água e, logo a seguir, a criação do Sol, da Lua e dos Planetas.

O homem, centro do cosmos, vê-se rodeado do profano que o criador lhe ofereceu. O mundo já não é o paraíso celestial; é carne, é vida, é concreto, material.

O homem, ser criado, deixará em breve de ser submisso; agora, tudo lhe pertence. A sua força transformará a criação.

De ambos os lados, os profetas, homens também eles, testemunham a partilha de poder e a afirmação do mundo nas mãos do ser humano.

4- E a obra do mestre completa-se:


À medida que nos afastamos do centro, a imagem de Deus altera-se; o tom é de ira – o dilúvio. A ira de Deus manifesta-se poderosa e vingativa. Os homens já não são os seres ingénuos e belos da imagem de Adão.


Na mente do Mestre, estava a vontade de gritar contra a esses homens que destruíram a beleza. Um dia, o papa sugeriu a Miguel Angelo que ornamentasse a pintura com cores vivas e tons dourados. O Mestre respondeu que os patriarcas e profetas não foram homens ricos mas sim homens santos que desprezavam a riqueza.

Mais tarde, num painel lateral da Capela Sistina, Miguel Ângelo pintou o Juízo Final: a última palavra seria, afinal, de Deus. O Homem, ser belo e radioso, entregar-se-ia à fúria divina, devido à sua soberba, porque não soube viver a simplicidade do toque sagrado que lhe deu origem.


Talvez o homem devesse regressar à simplicidade, à beleza de um toque, ao amor sagrado e profano que esteve nas origens e deveria estar no seu destino; um simples toque… a alma e o corpo em dois dedos que se unem, sem tempo,
sem pecado… com amor…

Texto de Zeus



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